terça-feira, 6 de novembro de 2012

O menino e o mar


O menino e o mar
por Gui Campos

Suas mãos caíram sobre o mar tranqüilo
Que se moveu, e o céu que refletia
Levou-o então a qualquer outro dia
Do qual não tinha a menor lembrança

E espelhado nessas águas turvas
Viu formar-se refletido um dia estranho
Reconhecia-o, sem menor engano
Nem do futuro nem de sua infância

Enquanto esteve olhando, deslumbrado
Apertou-lhe agudo o peito, a nostalgia
Por algo que sequer tinha vivido

E vendo em sua própria imagem esmaecida
Que um outro alguém levava sua vida
Mergulhou nas águas do infinito.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Curtas!

Essa semana ouvi comentários sobre a tentativa de se voltar com a "Lei do curta", que obriga os cinemas do Brasil a colocarem filmes nacionais de curta duração nos cinemas antes dos longas.

Eu particularmente sou fã dos curtas metragens. Acho um formato sensacional, comparável aos contos na literatura. Embora muito pouco (para não se dizer nada) explorados comercialmente no Brasil, não consigo entender porque sua distribuição é tão difícil. Televisões de aeroportos, vôos domésticos, consultórios, órgãos públicos, ao invés de ficar passando novela da Globo poderiam passar filmes curtos, que tornariam menos penosa a espera das pessoas e de quebra ainda é uma experiência cultural relevante.

Sabendo dessa dificuldade de se encontrar curtas, escolhi alguns que vi e gostei para compartilhar.

Primeiro "TOPEKA", de Asier Altuna, um curta basco de 3 minutos, sem diálogos, mas com uma mensagem bem interessante.



Um outro espanhol, "LOS GRITONES", de Roberto Pérez Toledo. O curta tem um minuto, onde o interessante é a maneira como ele conta a história, não o QUE ele está contando, mas o COMO.



Agora um argentino: "No me ama". É um pouco mais longo, com 16 minutos, e o diretor Martin Piroyansky é também o ator do curta.



Já o brasileiro "RECIFE FRIO", do diretor pernambucano Kléber Mendonça Filho, é um falso documentário muito bom sobre uma estranha mudança climática na cidade do frevo.



Um outro brasileiro bem interessante, feito com um orçamento mínimo, é o mineiro "FANTASMAS", de André Novais Oliveira. Assista até o final!


Por último, porém não menos importante, "O CEGO ESTRANGEIRO", do Marcius Barbieri. Coloque os seus fones de ouvido, tela cheia, e seja transportado nos 6 minutos que dura o curta para o mundo deste cego que te conta a história...

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Alvorecer

por Gui Campos

Silêncio. Nasce um poema.
Espreita, curioso, cada verso que aparece.
Assim, sem força, vem a este mundo
um emaranhado de palavras
que pouco a pouco torna-se
Poema.

Tristes noites insones,
solidão, lágrimas de amor,
alegrias, dor, o amigo ausente...
Tudo, e cada coisa, estão presentes
nas linhas do papel.

Mas não te reconheces, nem a ninguém.
Está escondido em entrelinhas
o sentimento uma vez vivido.
E sem celeuma, alarde ou ufania
brota nas gretas das palavras frias.

E como uma semente,
espera.

No peito de quem lê desponta um broto
que, rápido, invade todo o corpo.
Quem lê traz dentro de si
um enorme jardim de fantasia.

Ali floresce, invisível,
sem pressa, no cuidar de cada dia.

Nasce, neste mundo de concreto,
uma perfumada flor
de gentileza
e poesia.



setembro de 2010


sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O vendedor de frutas que mudou o mundo

Gui Campos

O ano de 2011 vem chegando ao fim. Um ano conturbado desde o começo, com muitas revoltas, levantes, ocupações, em suma, pessoas juntando as vozes para gritar que não estão satisfeitas. Um momento que já vinha sendo preparado desde os primeiros encontros do Fórum Social Mundial, sob o slogan de 'um outro mundo é possível'; desde a criação da internet, que na comunicação estudamos como a mudança de um modelo 'um emissor comunica para muitos' para o mais democrático 'muitos emissores comunicam para muitos'. De repente, pessoas conseguiam se organizar sem precisar de uma liderança. 

O que talvez nem todos saibam é qual foi o estopim desse ano agitado. Tudo começou por causa de uma única pessoa, um jovem vendedor de frutas tunisiano de 26 anos. Chamava-se Mohamed Bouazizi. Ele não era nenhum revolucionário, nem podia imaginar a dimensão que sua auto-imolação iria tomar.

Mannoubia Bouazizi, mãe de Mohamed Bouazizi.   Foto: Peter Hapak (Time Magazine)

Foi até a sede do governo para tentar reaver seu carrinho, suas frutas e dar queixa da funcionária do Estado que havia lhe agredido. O governador se recusou a recebê-lo. Ele então saiu do prédio, foi até um posto de gasolina próximo e voltou. No meio do trânsito gritou "como vocês querem que eu viva desse jeito?". Jogou combustível em si mesmo e acendeu um fósforo. Eram 11h30 da manhã.

Mohamed foi internado com 90% do corpo queimado, e sua históra começou a circular na Tunísia. Virou o representante de um povo humilhado por 23 anos de ditadura e repressão. Indignado, o povo foi às ruas, e por mais de duas semanas enfrentou a polícia em diversas cidades do país. Quando morreu, no dia 4 de janeiro de 2011, 18 dias depois, virou um mártir. A revolução já havia explodido. No dia 14 de janeiro o então presidente da Tunísia, Zine El Abidine Ben Ali, foi obrigado a deixar o poder e fugir para Arábia Saudita. 

Assim começou 2011. Daí veio o que foi chamado de 'Primavera Árabe': o Egito também se rebelou e depôs Hosni Mubarak, no poder há 30 anos. Uma guerra civil na Líbia terminou com a prisão e morte de Gaddafi, ditador há 42 anos. Também houve levantes em Bahrein, Síria, Iêmen, Argélia, Djibouti, Iraque, Jordânia e Oman.

Na Espanha, o movimento chamado de 15-M ocupou o centro de Madri e logo se espalhou para as demais cidades. Na Inglaterra um quebra-quebra assustou os londrinos. Nos Estados Unidos veio a 'Occupy Wall Street': milhares de pessoas ocuparam primeiramente o coração econômico do capitalismo e logo várias outras cidades, defendendo que o Estado deve governar para o 99% da população comum, e não para o 1% que é dono do dinheiro, com o slogan 'nós somos os 99%'.

"O tempo está perfeito para se viver um momento histórico". Cartaz no movimento 15-M. Foto: Antonio Menendez

Os chineses foram às ruas pedindo liberdade; estudantes chilenos tomaram as ruas por meses contra o modelo de educação privada dos tempos de Pinochet, e inventaram jeitos criativos de ganhar a atenção da mídia para seus protestos, como o 'thriller pela educação'; a Palestina apresentou um pedido de reconhecimento às Nações Unidas, fortemente aplaudido pelos representantes de todos os países, com exceção de Estados Unidos e Israel. Com isso expôs o absurdo que é o Conselho de Segurança e o poder de veto de alguns países.

Ou seja, termina em breve um ano de muitas mudanças, de crises, do desmoronamento de um modelo no qual o dinheiro é tudo que importa. Um ano que, acredito, marca o início de uma nova organização política, econômica e social. Não sabemos para onde vamos, mas sabemos que esta estrada que vínhamos seguindo já não nos serve mais. E pensar que tudo começou com um vendedor de frutas de 26 anos, numa cidadezinha do interior da Tunísia, que só queria trabalhar mas acabou mudando o mundo...


Matéria publicada no jornal Brasil de Fato, edição 460.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Calma

Gui Campos
26/01/11

Pediu-me calma
Olhou seus olhos de vidro

Calma!

Com que roupa havia cruzado pontes,
sofrido flores,
beijado neve?

Com que olhos sentiu o vento,
amou a brisa,
chorou promessas?

Pediu-me calma.
Mas com que calma?

Eu não consigo.

Não peça calma,
Não peça isso.

Que nesta vida
Só morre um dia
Quem está vivo.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Tempestade

Gui Campos
27/12/2010


O tempo. Cada dia é um dia.
Os sentimentos e as emoções sambando no peito, hora para lá, hora para cá.
A sensação de que o chão escapou e que agora o tufão leva, e não há muito o que fazer.
A tranqüilidade de saber que logo o vento vai diminuir, tudo se acalmar.
Mas o enjôo de estar sendo jogado de um lado ao outro e a dor física da falta.
A necessidade de entender o que passa com o outro.
Saber se essa confusão, essa angústia, são mútuas.
Medo de encontrar, de perder, de saber. 
"O medo é o oposto do amor".

Sabe o castelo que você tratou de construir com todo o cuidado?
Colocar boas cortinas, belos quadros, transformar no lugar mais seguro e aconchegante do mundo...
De repente lhe expulsam. Lá fora uma tempestade, que é todo o oposto do que você tinha antes.
Lhe dão uma picareta e dizem: "Derrube!"

E você tem que derrubar.

Você já não é permitido no seu próprio castelo, e assim ele deixa de existir.
Suas portas se fecham e ninguém mais entra.

Não é fácil derrubar o que se construiu com tanto esmero, 
mas você só consegue passar para o outro lado quando o derruba. Tijolo a tijolo.
E é horrível.
Você quer entrar, mas não pode.
Você quer passar, mas suas paredes enormes estão diante de você.
Você não quer destruí-lo, mas não lhe sobrou outra opção.

Demora. Às vezes mais, às vezes menos. Um dia a tempestade passa.
Depois que você consegue atravessar o que sobrou do seu castelo e continuar andando,
ao olhar para trás vê só mais uma ruína entre outras.
Você já pode caminhar, sentir o vento na cara,
o chão sob seus pés.

Mas a lembrança ainda aperta no peito:
a tranquilidade e a alegria de estar entre aquelas paredes,
no lugar mais aconchegante do mundo. Colo.
Saber que sua felicidade não é mais que uma faísca do que já foi.

Estar outra vez vagando, sem casa, não é fácil,
mas nesse deserto de pessoas temos que aprender a andar sós.
E pouco a pouco o sol se abre, e o vento acaricia os cabelos.

Um dia a andança termina e outra vez erguemos, lentamente, outro castelo.
Mesmo sabendo que é bem provável que, mais dia menos dia, outra vez seremos expulsos.

Mas quem é que consegue viver sem esses maravilhosos dias de oásis?

terça-feira, 22 de junho de 2010

Lista de pequenas coisas

Gui Campos

Resolvi fazer uma lista de pequenas coisas que fazem feliz, e que fazem a passagem por esse mundo ser tão especial:

Uma borboleta voando no jardim
O céu vermelho em um pôr do sol
Som de mar
Riso de criança
Cheiro de chuva
molhando a terra
Dormir de conchinha
Um mate quente em uma manhã fria
Um cachorrinho abanando o rabo
Um gato que sobe na cama e dorme em seus pés
Ganhar um presente
Rever uma pessoa querida
Um abraço demorado
com os olhos fechados, para se abraçar melhor
Um bom filme em um dia frio
Pipoca com manteiga
Ficar bêbado com os amigos
Violão
A água fria de uma cachoeira em um dia de sol
Esquentar-se no sol
Entrar no mar
Apaixonar-se
Caminhar pela cidade na madrugada
Conhecer uma cidade nova
Um país novo
Chegar em um lugar onde falam um idioma que você não entende
e reconhecer nas pessoas que, ainda que não falem seu idioma,
somos iguais
Escutar sua música
Aprender suas danças
Dançar
debaixo de um céu estrelado
Olhar as estrelas
Aprender a reconhecer uma constelação
Apaixonar-se pela lua
Uivar para a lua
Violão em uma fogueira
Escutar uma música que se gosta no rádio
Dançar música lenta em uma festa na 5a série
Primeiro amor
Primeiro beijo
Sentir o coração acelerado quando está assustado
Dormir junto em uma cama pequena
Acordar de noite e ver a pessoa amada dormindo
Espiar pela fechadura
Sorrir ao lembrar de uma lembrança boa
Viver um momento que você sabe que vai ser uma lembrança boa
Subir no palco e sentir as mãos frías e tremendo de nervoso
Relajar depois dos aplausos
Meditar
Coincidências
Decorar seu poema predileto
Um bom livro
Uma boa exposição
Um bom papo com uma pessoa inteligente
Mudar de opinião
Que ganhe as eleições um político que você acredita
Ganhar um sorriso por ajudar alguém
Dormir cansado por ter feito muitas coisas em um dia
Passar todo o dia deitado na rede, escutando o mar
Ver um bicho quando está andando pelo mato
Sons dos bichos na selva
Selva
Um bom sonho
e a sensação de tê-lo vivido ao acordar
Cafuné
Carinho de mãe
Colo quando está triste
Companhia quando está alegre
Silêncio quando está em paz
Soltar pipa
Fechar os olhos e ouvir música com fones de ouvido
Chocolate
Sushi
Um beijo
Suco
Comer fruta do pé
Tirar uma soneca
Encontrar a pessoa que você gosta
Sentir que o mundo é um lugar incrível
Fechar os olhos e respirar fundo
Mordida no pescoço
Praia
Ilha
Água
Mergulho
Deitar ao ar livre em uma noite escura e olhar as estrelas
Banho de chuva
Carinho de avós
Sorriso sem dentes
Rir até chorar
Chorar até dormir
Dormir junto
Estrela cadente
Fazer uma música
Elogío
Travesseiro de penas
Colchão de água
Guerra de travesseiro
Paz
Família
Sentir-se querido
Ter uma idéia genial
Chegar no alto de uma montanha
Dormir no calor de uma lareira em um abrigo de montanha
Saltar de paraquedas
Estrada
Acampamento
Aprender
Ensinar
Escutar
Ser escutado
Ter o esforço reconhecido
Olhar nos olhos
Entender
Dormir e acordar pensando em alguém
Apagar as luzes e acender velas
Abraçar um amigo
Falar só com gestos e olhares
Rosas vermelhas
Encontrar um pica-pau
Espuma no carnaval
Esperar impaciente alguém que você quer ver
Uma viagem longa de carro
O contraste entre duas cores de pele
Perceber que as coisas boas não acabam nunca

Como disse Mário Quintana:

"Fazem parte do teu presente,
e abrem-se no teu sorriso mesmo quando,
deslembrado delas,
estiveres sorrindo a outras coisas.
"A thing of beauty is a joy for ever"
Disse, há cento e muitos anos, um poeta inglês que não conseguiu morrer".